Algumas das cidades da Grecia antiga, como Atenas, estiveram entre as primeiras sociedades da Antiguidade a expandir o direito de participação nas tomadas de decisões políticas, tendo se tornado grandes referências históricas para a democracia. Para explicar quais eram as potencialidades e também as limitações dessa participação política entre os gregos antigos, é necessário saber que uma das principais potencialidades da participação política pensada e executada pelos gregos antigos – em especial, pelos atenienses – estava na expansão do direito de participar também daqueles que possuíam uma condição socioeconomica mais baixa.
Outra característica positiva dessa democracia estava no fato de a participação ser direta, quer dizer, com a presença dos cidadaos reunidos em assembleia, deliberando e votando. Mas esse direito era circunscrito aos homens livres, com a exclusão de boa parte da população, como escravos, mulheres e também estrangeiros. A democracia da Grécia Antiga tornou-se um marco na expansão da participação política para além dos limites de uma minoria de alta condição econômica.
Pobres ou ricos, todos os cidadãos estavam habilitados a participar. A participação política do cidadão grego ocorria de maneira direta. Para descrever rapidamente como ocorria essa participação é preciso estar atento ao fato de que no centro da concepção grega havia a ideia de que o cidadão deveria participar de maneira direta das decisões políticas. Em vez da eleição e do voto, o pilar dessa democracia era a discussão em assembleia. Os gregos concebiam a sociedade como aquela constituída na “polis”, ou seja, na cidade formada por uma população relativamente pequena, onde esse tipo de participação direta era possível.
“Ao falarmos do legado dos gregos para o mundo contemporâneo, percebemos que muitos textos ressaltam como as experiências políticas experimentadas em Atenas serviram de base para a construção do regime democrático. Contudo, não podemos afirmar que a ideia de democracia entre os gregos seja a mesma do mundo contemporaneo. Atualmente, quando definimos basicamente a democracia, entendemos que esta seria o ‘governo’ (cracia) ‘do povo’ (demo). Ao falarmos que o ‘governo pertence ao povo’, compreendemos que a maioria da populaçao tem o direito de participar do cenario político de seu tempo.
A democracia adotada não só Brasil, mas em muitos outros países, atualmente, é a democracia representativa. Se quisermos explicar como se dá a participação do cidadão nesse tipo de regime democrático devemos considerar que os regimes democraticos atuais se caracterizam por uma participaçao indireta do cidadao, ou seja, sao representativos, pois as decisões políticas são tomadas por representantes eleitos em pleitos periódicos.
Uma das razãoes para o advento dessas democracias representativas é a dimensão territorial e populacional das sociedades atuais, baseadas em Estados nacionais de grandes proporções, o que torna difícil a consulta direta e constante a cada um dos cidadãos. A luta pelo fim dos privilégios aristocraticos e a consolidação de uma sociedade com direitos mais amplos teriam sido os pilares da nova forma de governo instituída na Grécia Antiga. [...] Para os gregos, a noção de democracia era bastante diferente da que hoje experimentamos e acreditamos ser ‘universal’. A condiçao de cidadania era estabelecida por pressupostos que excluíam boa parte da população. Sabe-se que a Grécia Antiga foi o modelo de uma democracia próspera, mas que ainda assim possuía limitações. Se quisermos saber por que a democracia grega nao pode ser considerada totalmente democrática, de acordo com os conceitos atuais de democracia é preciso ter claro que entre as limitações apresentadas pela democracia grega estava o fato de a participação política ser circunscrita aos chamados homens livres, com a exclusão de mulheres e escravos. Isso fazia com que boa parte da população, na pratica, não fosse considerada como parte do corpo de cidadaos.
Os gregos antigos notabilizaram-se por uma concepção de igualdade entre os cidadãos inédita entre as sociedades políticas da época. Essa visão igualitarista apoiava-se em princípios como o da isegoria e o da isonomia. Para explicar resumidamente em que consistia o princípio da isegoria, ele representava o aspecto ativo da condiçao de igualdade, como direito, aberto a todos aqueles considerados cidadãos, de participar diretamente das deliberações coletivas na assembleia. O princípio da isonomia, por outro lado, descrevia a igualdade dos cidadãos perante às leis debatidas e aprovadas na assembleia popular grega, sem distinção por status socioeconômico.
Para os atenienses, o bom funcionamento do “governo do povo”, quer dizer, da democracia, só poderia ocorrer caso as dimensões da cidade e da população se mantivessem relativamente pequenas. Sem isso, a democracia direta, baseada em assembleia, perderia eficácia e a população tenderia a se tornar cada vez mais heterogenea. Para explicar por que a concepção grega de democracia insistia na manutenção de um corpo de cidadaos o mais homogêneo possível, devemos saber que na concepção ateniense de democracia, o “demos” ou corpo de cidadaãos deveria manter-se pequeno numericamente, a fim de garantir a homogeneidade cultural, étnica e religiosa daqueles que participavam das decisoes políticas. Dessa maneira, o consenso poderia ser mais facilmente alcançado e os interesses diversos, mais facilmente conciliados nas tomadas de decisão.
Os gregos antigos insistiam na manutenção de um corpo de cidadãos (demos) o mais homogêneo possível, o que levava, inclusive, a exclusão de estrangeiros ou de filhos de estrangeiros. Manter a pequena escala da polis era, assim, condição essencial para o funcionamento da democracia direta e também para a garantia daquela homogeneidade buscada. Um topico importante da teoria da democracia é que a concepção grega de um “demos” homogeneo pode ser vista como uma limitação ou como um déficit democrático, do ponto de vista das teorias contemporâneas.
A concepção grega de um corpo de cidadãos homogeneo representa, do ponto de vista das teorias atuais, uma limitação democrática, já que as sociedades contemporâneas têm como característica justamente a heterogeneidade de interesses, pontos de vista, tradições etc. A democracia contemporanea precisa se ocupar, assim, nao apenas da questão do consenso e da homogeneidade, mas, sobretudo, do dissenso, da competição e da diferença presentes nas populações atuais. A democracia da Grécia Antiga nasceu em um contexto histórico bastante diferente daquele em que estão inseridas as democracias de hoje. Ainda que essas experiências históricas bastante diversas carreguem o mesmo nome, cabe aos estudiosos dos regimes democráticos estabelecer com precisão essas diferenças. Como sabemos, existem características distintivas dos regimes democráticos contemporâneos, especialmente quando comparados a experiência grega. Para estabelecer essas distinções é preciso saber que as democracias contemporâneas se assentam sobre Estados nacionais, com grandes territórios e grandes populações, tornando a participação direta, ao modo dos gregos antigos, de difícil operacionalização.
Dessa forma, a participação torna-se indireta e a democracia representativa – quer dizer, exercida por meio da escolha de representantes, que irão deliberar e decidir em nome dos cidadãos. A escolha desses representantes ocorre por meio de eleições periódicas, com sufrágio universal. Restrições à participaçao eleitoral por criterios étnicos, de gênero ou de condição economica. Por último, os regimes democráticos contemporâneos possuem uma Constituição, uma proteção legal a fim de garantir as liberdades individuais, de cada cidadão. Mas não é o que acontece nos dias atuais.
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