Hoje eu acordei e me surpreendi por estar pensando em relógios.
É engraçado, porque desde que me aposentei, tirei o meu relógio do pulso e o guardei. Um gesto simbólico, como se estivesse também aposentando as horas do dia.
Voltei, prazerosamente, a contar o tempo da forma mais primitiva. A mim, mergulhada naquele meu agora, bastava e satisfazia os sentidos, o simples saber, a percepção sensorial de estar na presença da manhã, da tarde ou da noite.
Abri cuidadosamente a caixinha e lá estava ele, redondinho, delicado e, parado. Nem sei se só esgotou a bateria ou se o mecanismo está estragado, pois só olhei e o guardei novamente. Não permito mais que relógios voltem a escravizar os meus dias.
Ao olhar aquele “relógio aposentado” eu descobri o porquê de sempre gostar tanto de ter os meus relógios redondos; visualmente eles são mais fiéis ao retratar o nosso caminhar no tempo. Igualam-se à forma que podemos perceber com os nossos olhos, quando nos debruçamos a olhar sobre o tempo já passado. É redondinho o seu caminhar!
Os fatos e acontecimentos do hoje sempre estão nos remetendo a algum momento já tracejado e percorrido anteriormente. Não adianta querermos colocar o tempo numa caixinha quadrada, toda cheia de quinas agudas, finalizadoras. Os ponteiros não saem do seu trajeto redondinho.
Eles vão, calma e inexoravelmente, seguindo a curva perfeita que foi desenhada antes que o homem inventasse de medir o seu tempo com os relógios.
E, convenhamos, apesar das mil aparências, designers e preços, afinal relógio só serve para nos lembrar as horas do dia.
Enquanto o tempo... Ah! O tempo! Este sim, é dono de todo o caminho que vamos percorrendo todos os dias, o caminho que arquitetamos quando elegemos nossas escolhas ou deixamos de aceitar certas opções que nos foram oferecidas.
Então eu aprendo, no clique do segundo: o tempo também fez escolhas e ele preferiu ser redondo para estar sempre recomeçando, exatamente do ponto que parecia ser o final do caminho.
São as nossas memórias passadas e o nosso querer futuro que jamais permitirão que se queime a última centelha. As cálidas fagulhas presentes que ainda haverão de aquecer os invernos que se anunciam, que se adiam.
Os brilhantes grãos de vida que se revezam por horas, por dias, gotejando e escorregando, embora aprisionados dentro dos êmbolos de nossas opções.
Carl Sagan já nos disse:
"Somos feitos de poeira de estrelas. Nós somos uma maneira de o Cosmos se autoconhecer".
E ainda disse mais:
"A imaginação muitas vezes nos leva a mundos que nunca sequer existiram. Mas sem ela não vamos a lugar algum."
Naquele meu despertar matinal eu pensei:
Somos cristais moídos escorrendo na ampulheta da vida. Nem sempre chegamos onde pensávamos ser o nosso lugar. Mas o chegar, seja a algum ou a qualquer lugar é inevitável.