“O estado de Minas Gerais tem medidas protetivas e procedimentos para os casos de violência contra os servidores do quadro da Secretaria de Estado de Educação (SEE). A Lei 22.623, que trata do assunto, foi sancionada pelo governador Fernando Pimentel e publicada no Diário Oficial de Minas Gerais nesta sexta-feira (28/7/17). Conforme a nova lei, configura violência contra os servidores qualquer ação ou omissão decorrente da relação de sua profissão que lhe cause morte, lesão corporal, dano patrimonial, psicológico ou psiquiátrico praticada direta ou indiretamente no exercício do seu trabalho, assim como a ameaça à integridade física ou patrimonial do servidor.”
Lendo esta notícia no site da Assembleia Legislativa de Minas Gerais meu coração se alegrou. Já vi e vivi coisas demais para me dar o direito de achar que esta é só mais uma daquelas leis criadas com intenções não muito claras, se é necessária para todos ou atende apenas um grupelho de interessados, como infelizmente temos visto nos tristes espetáculos dados pelos Legislativos do nosso querido e explorado Brasil. Esta é uma lei necessária, realmente uma necessidade de preservação da nossa humanidade. Um pouco de proteção para aqueles que sempre ouvem que serão valorizados nos pré-programas de políticos em campanha.
Abro o meu Facebook e a imagem me dá um soco no estômago, um tapa na cara e a vontade imensa de chorar junto com os olhos feridos e magoados da professora que teve a coragem de se expor para denunciar a agressão física, visível e provada no sangue que desce por seu rosto.
Desde o mês passado, com a edição da Lei 22.623, tenho pensado em escrever sobre o tema, mas as lembranças dolorosas me impediram de falar do assunto, rememorando casos de enormes abusos e absurdos cometidos pela comunidade escolar, atos de alunos e pais num enfrentamento grotesco contra professores, em momentos onde deveria haver parceria e sintonia na busca da EDUCAÇÃO de nossos jovens e adolescentes. Infelizmente, agora eu me deparo com a notícia da mais recente agressão em ampla divulgação nas redes sociais. A frase me impacta e me faz recordar histórias vividas por colegas que também se sentiram “dilaceradas” com o que lhes aconteceu. Leio várias reportagens sobre o assunto, as falas da professora Friggi são como um eco do meu passado, uma enorme sensação de déjà-vu, uma empatia que me engasga e quase me impede de digitar este texto.
O nome delas eu não vou expor, não quero trazer constrangimento de comentários como os que li sobre o caso da professora catarinense de literatura e língua portuguesa que, aos 51 anos de idade e no primeiro contato com aquela turma, teve a infelicidade de ser alvo de agressão física na sala de aula e de milhares de agressões verbais e psicológicas nas salas da internet. Quero apenas fazer um gesto de solidariedade a Márcia Friggi, às incontáveis professoras que se dilaceram e sangram, por dentro ou por fora e que seguem sem coragem ou com vergonha. Isso mesmo, elas se sentem com vergonha por terem sido vítimas de violência, por serem humilhadas, xingadas, desrespeitadas e feridas naquilo que elas mais acreditam e lutam para dar: educação, sabedoria e vontade de aprender, para melhorar um pouco este mundo de pessoas tão carentes de tudo, inclusive de esperança.
Caso 1- Ela saiu da escola dentro de um carro de polícia, escoltada por policiais que foram chamados pela mãe de seu aluno. A cabeça baixa e os olhos parados, meio sem saber se olhavam para o chão, onde sentia que havia sido jogado o trabalho de uma vida ou para o céu, pedindo a Deus que lhe amparasse neste momento de humilhação e de dor pela injustiça que sofria. O motivo: a escola havia sido transformada num espaço de inclusão e o aluno, deficiente auditivo, agitado e muito agressivo, só conseguia entender que se estava falando com ele se fosse tocado, chamado a prestar atenção no que se queria conversar com ele. O toque, o braço sendo segurado para que ele soubesse que a professora precisava conversar com ele para que o mesmo parasse de atirar coisas nos colegas, parasse de bater no colega que o desagradava naquele momento, virou, na fala da mãe, agressão física e violência da professora contra um menor de idade sob sua responsabilidade profissional. E ela, professora, se recusou a seguir o conselho da delegada de polícia que dizia que ela deveria “desmentir” a mãe e falar que não tocou no braço do aluno... amargurou dias de prisão, numa cadeia de verdade, numa cela onde pediu para não ser vista, mas não conseguiu dizer que não havia segurado o aluno pelo braço.
Caso 2 – A diretora precisa chamá-la em sua sala, a mãe, super nervosa, a espera para “tomar satisfação”. O motivo, a professorinha recém-formada e ainda sem muita maldade havia chamado a atenção da turma usando um dístico popular “Ah gente, dá um tempo na conversa, vocês hoje estão falando mais que lavadeira quando perde o sabão no rio”... Nestes tempos de “politicamente correto”, a velha e boa sabedoria popular virou preconceito de classes... Uma das alunas tinha mãe que ganhava seu salário, honesto e suado, diga-se de passagem, como diarista lavando roupas e a criança chegou em casa contando que a professora disse que toda lavadeira só serve para gastar sabão e falar demais. Dizem que criança não mente e nem tem maldade, mas depois desse dia, ouvindo, como diretora da escola, a mãe gritar horrores com a minha colega professora e a menina toda feliz com o barraco que tinha criado, tenho cá minhas dúvidas...
Caso 3- Ela entrou na sala e achou uma caixinha de fósforos sobre a sua mesa. Abriu a caixa e se sentou de susto, dentro havia duas balas de revólver e, segundo lhe foi dito pelo aluno, uma para ela e a outra para a coordenadora do turno. Motivo: o aluno havia sido descoberto vendendo cigarros de maconha no pátio da escola... infelizmente, um entre tantos que haviam sido seduzidos pelos traficantes que andavam pelas ruas do bairro de periferia onde a escola se localizava. A professora e a coordenadora haviam tomado para si a tarefa de conversar com esse aluno e tentar argumentar com ele os porquês de não ser uma boa escolha ele se transformar em aviãozinho dentro da escola. O caso foi parar nos ouvidos do “gerente” dele e o recado foi mandado através do próprio aluno.
Caso 4- “Você não deve ficar magoada com isso, nem sempre o que é bom para você é visto como bom pela outra pessoa...”. Esta frase foi dita pelo psiquiatra que ela procurou, buscando ajuda para lidar com mais uma das imensas decepções sofridas na sua profissão. O motivo: ele era um aluno bem complicado, não atendia aos pedidos de prestar atenção nas aulas, não fazia os exercícios dados em sala de aula e, quase nunca, trazia um dever de casa pronto. As desculpas choviam sobre ela: - “Não entendi esta paradinha, não tinha quem me explicasse em casa. Estou sem vontade agora...”. A professora tentou várias técnicas, conversou, mostrou a importância das tarefas e explicou para que serviam os exercícios que ela passava para a classe. Nada disso funcionou, então, sem querer desistir do aluno e pensando que havia tido um insight legal, afinal já se dedicava a ensinar há quase três décadas, ela resolveu tomar algumas medidas, algumas combinações com o aluno: - Tudo bem se não quiser fazer o exercício na hora que eu entregar, mas se for para ficar brincando enquanto seus colegas estão estudando na hora de estudar, você fará os exercícios quando eles estiverem brincando na hora do recreio. E se não trouxer os exercícios dados como dever de casa, eu vou lhe esperar e lhe ajudar a fazer o dever depois da aula. Ela sentia a consciência tranquila, estava se tirando o descanso do recreio e ficando merendando junto com ele na sala, estava estendendo seu horário de trabalho e doando horas de aula particular...
A mãe não viu que ela estava chegando e conversava revoltada com outra pessoa no portão da escola. As palavras nada tinham de gentis, os sentimentos não eram de gratidão ou de compreensão para aquela que se julgava sua parceira na condução da educação do seu garoto. A professora era “aquela vaca vadia” que ficava atrasando todo dia o seu horário de pegar o filho na escola. A “égua sem ter o que fazer” que não respeitava a hora do sinal da saída e do recreio... E haja fluoxetina para amenizar a dor das horas de choro por tão cruéis julgamentos. Ela precisou de licença médica, precisava vadiar um pouco, esquecer de ter crise de choro cada vez que olhasse o portão da escola, ter novamente coragem de chamar a atenção dos seus alunos quando eles precisassem de correção de conduta...
Estes são apenas alguns dos muitos casos que vi e vivi... histórias que não podem ser fotografadas enquanto se costuram as feridas e cortes dos educadores, da esperança quebrada nas porradas do cotidiano de professores e mestres, estes doutores da compaixão que saem sangrando todos os dias e quase ninguém vê, enquanto lutam bravamente para cicatrizar e curarem: a si e aos outros.
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