Imagem: A Persistência da Memória, de Salvador Dali
Palavras... O que são elas senão o grito do sentimento que transbordou?
Bendita seja a palavra que nos redime e salva de nos afogarmos em nossos abismos...
Tanto tempo a gente gasta para perceber que é ele, o tempo, quem nos desgasta de fato. Vai burilando, tirando arestas e lapidando as facetas mais belas escondidas nos recôncavos de nós mesmos. Desatando nós e criando laços.
Tantos sonhos a gente sonha, para acordar calado, emudecido por ter sonhado ensandecidamente em demasia e relegado com indiferença as belezas do viver diário.
Como bem disse o poeta Belchior, nos versos da canção imortalizada na voz de Elis Regina:
“Viver é melhor que sonhar
Eu sei que o amor
É uma coisa boa
Mas também sei
Que qualquer canto
É menor do que a vida
De qualquer pessoa ...”
Mas não, este não é um lamento, é antes um louvor, pois não vem de ninguém esta certeza, vem do próprio tempo, que volúvel, nos carrega em seu leito e vai. E como um rio, ora nos enche de beleza, nos embriaga de luz e calor, ora nos deságua em escuras vias subterrâneas, frias e solitárias...
É também ele, o tempo, que emergindo de suas águas artesianas nos irisa purificados, nos enche de cor e transborda de lindezas.
E assim vamos levando e nos deixando conduzir por suas correntezas, volúveis, voláteis mas também firmes e criadoras do encantamento que nos mantém presos às graças da vida.
E é ele, dono e senhor de todo o saber, que ao passar vai criando, provocando um jogo de luz e sombra, nos arrebata e convida sensualmente a gozar o fogo de todos e mais quentes matizes.
Nesta corrente versátil o jogo de cores muda e se faz branco e doce, pleno de emoção. Como se fora as asas de um anjo que distraidamente nos roçam, provocando um arrepio de ternura tão imensa que por pouco não nos sufoca e nos inunda, olhos e alma... e o branco se preenche de silêncios, esfria e doma o vermelho do fogo, se mesclam, reinventam-se em suaves tons de rosa. Então a correnteza do tempo se acalma, não quer mais gritar batendo nas pedras, entrechocando espumas, assustando peixes e passarinhos.
Ele murmura baixinho, borbulha em arroio, tão breve, tão leve e vai, sutilmente nos encaminhando, conduzindo e depositando às margens do outono e é ali, entre acordes de suavidade que despertamos para o novo caminho, agora já com os pés na terra, apoio concreto e que também a parte alguma nos levará, por mais que queiramos alcançar o impossível e que nem por isso perde a beleza do desejo, por utópica que seja. Este caminho de agora, terra batida, em si é estático e cabe ao caminheiro o decidir - avançar nele ou paralisar-se com ele. Pois este mesmo solo terreno, também sonhou iluminado das estrelas. Ciente, sem se importar se são inatingíveis delas comeu e bebeu, fruiu e absorveu sofregamente a luz que agora, lentamente se faz penumbra....
São as nossas memórias passadas e o nosso querer futuro que jamais permitirão que se queime a última centelha. As cálidas fagulhas presentes que ainda haverão de aquecer o inverno que se anuncia, que se adia, por dias, por horas, gotejando como a areia.
Somos cristais moídos escorrendo na ampulheta da vida...
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