Imagem Ilustrativa
Voltando ao jardim e às coisas afins, queria hoje um tempinho para pensar e falar dos vasos. Daqueles que são cuidadosamente escolhidos, comprados para uma determinada mudinha ou para enfeitar aquele lugar que parece meio sem-graça, aquele cantinho precisado de algo que lhe dê charme e a nós que o usamos, o prazer de ali estar.
Falar também dos outros, daqueles que surgem como frutos do inesperado, gerado pela nossa imaginação e adaptados para o que queremos. Dos que tinham originalmente outras finalidades, objetos usados e já sem muita utilidade mas que não queremos descartar definitivamente por alguma razão sentimental.
Seja porque os tenhamos ganhado como presente de alguém que prezamos muito ou pelo próprio objeto, que ainda oferece em si uma nova possibilidade de agregar beleza e prazer, em uma outra perspectiva da sua utilização.
Gosto de visitar os sites de decoração, plantio e jardinagem e num deles vi uma imagem que me inspirou e me despertou o desejo de fazer um trabalho semelhante. Tenho hoje, num canto do meu jardim o trabalho já realizado por mim mesma: são vasos quebrados, reutilizados como degraus que formam eles mesmos, um minijardim independente, com uma composição de vários tipos de suculentas. Um ambiente diferente e harmônico, com plantinhas diferentes entre si, que possuem necessidades semelhantes e formas variadas.
Lembro-me que quando estava trabalhando nisso, eu pensei em muitas pessoas que conheço, elas próprias eram vasos quebrados que nem por isso estavam destinadas a ser lixo. Haviam perdido suas funções originais e encontrado nas dificuldades dessa perda uma nova forma de viver.
Por analogia me lembrei de uma técnica japonesa chamada Kintsukuroi. Esta técnica consiste em restaurar objetos quebrados de cerâmica, utilizando uma mistura de laca e pó de ouro. Mais que simplesmente recuperar a utilidade de um objeto, ela traz na sua execução todo um simbolismo.
Ao destacar os defeitos daquela peça danificada, os japoneses nos mostram que assim como na resiliência humana, a peça trabalhada no Kintsukuroi incorpora e se apropria dos valores que lhe foram adicionados. Chamam a atenção para o trabalho da emenda que não procura esconder o seu defeito nas diversas possibilidades de trabalho do restaurador.
Pelo contrário, usando um material nobre como o ouro, a técnica procura valorizar ainda mais a história daquele objeto que passou por uma transformação profunda e que tem agora um significado maior. O seu valor original foi majorado por aquilo que lhe foi acrescido no conserto de uma quebra que, caso não fosse trabalhada de forma adequada, estaria inviabilizando a sua função e a impossibilitando de continuar guardando o seu conteúdo.
Na nossa cultura ocidental temos também algo semelhante, quando ouvimos e aceitamos que somos frutos do trabalho do Grande Oleiro do Universo. Somos moldados pelas mãos Dele, que faz os seus vasos com Sua arte amorosa e Seu capricho original e deles não descuida, mesmo quando esses mesmos vasos feitos à perfeição se quebram, seja por descuido ou por acidente. Ele - O Divino Artesão - também nos dá por acréscimo de sua Infinita Bondade a laca da esperança e o ouro da fé para que nós, os seus vasos descuidados, nos restauremos.
O ideal seria não nos sentirmos tentados a esconder nossos defeitos e sim aprendermos a valorizar com eles as nossas qualidades. Principalmente quando estas novas e adquiridas qualidades surgem como o fruto de um trabalho árduo de paciente restauração, de fé e resiliência.
Acredito que cada um de nós que se vê como um vaso que sofreu os danos e rachaduras das quedas que a vida causou, pode e deve aprender a usar em si mesmo a delicada e sábia arte da técnica Kintsukuroi.
“Como professora e administradora escolar, adquiri o hábito de pensar as pessoas como fontes maravilhosas de sentimentos e reações nem sempre expressadas de forma fácil de se compreender. Continuo convivendo diariamente com as crianças, embora em doses homeopáticas (risos). Das turmas com 30, 35 por hora em sala de aula ou até de 1200 por dia na direção de escola, passei a dois diariamente, meus netos, um com quatro e outro com dez anos. Com eles ainda aprendo a ver o mundo como algo mágico que se oferece para ser desbravado. Com os adultos procuro exercitar a compreensão e aprender a força de se lidar com a realidade”
Elza Brito
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