Ao telefone com Girlei, replicava uma frase que após cinco anos fazia sentido para mim: - “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. Contava-lhe os últimos acontecimentos envolvendo Rodrigo. Na minha cabeça ele tinha criado um vínculo emocional comigo, portanto, ficaria feliz em saber o que estava me deixando tão eufórica. Falando a minha linguagem emocional e utilizando um método sofisticado de conquista, tornou-se um confidente, um amigo leal, apesar de deixar claro não pretender ocupar essa posição para sempre. As notícias eram tão inacreditáveis que marcamos um encontro ao entardecer para que eu lhe contasse detalhadamente as novidades a respeito do meu ex.
As atitudes de Rodrigo que um dia me fizeram sofrer demasiadamente, enfim, voltaram-se para ele. Há um tempo para tudo em nossa vida, finalmente, havia chegado o tempo dele colher o mal que havia plantado.
Era junho de 2018 quando informações de um casamento conturbado chegavam até mim, em tom de comemoração por parte daqueles que me contavam. Ainda que houvesse recusa de minha parte em ouvir, pedidos para que me poupassem dos detalhes sórdidos, as pessoas, contagiadas por um sentimento de “justiça”, insistiam para que eu escutasse, alegando que os detalhes que tinham para expor é que fariam toda diferença.
Narravam, empolgados, que Rodrigo e sua esposa enfrentavam muitas crises em seu casamento: financeiras, familiares, conjugais, pessoais. Ressaltavam minha sorte de não ter casado com ele considerando o tanto que ela reclamava do marido. A tormenta que tomou conta de alguns meses do meu noivado, conduziu-o por quatro anos em uma relação difícil.
Com uma iminente tragédia prestes a ser anunciada, membros da família dele me procuraram para contar situações assustadoras que aconteceram antes que eles chegassem ao altar. Os relatos davam conta da experiência que Rodrigo e sua noiva tiveram em um retiro, quando uma participante a chamou ao pé do ouvido de filha do demônio, desaparecendo misteriosamente logo depois, como também, do mau pressentimento que a mãe de Rodrigo teve na manhã do casamento de seu filho.
A minha ex-sogra, além de sentir um aperto no coração no dia da cerimônia, ouviu acordada barulhos de casco de cavalo andando pelo seu quarto. Por muito tempo acreditei que havia algo de maléfico comigo, felizmente, nada que se comparasse as situações descritas.
Enquanto pensava que Rodrigo estava feliz e realizado, ele recebia a lição pelas escolhas que havia feito. Saber que ele viveu inúmeros conflitos, incluindo espirituais, devia me fazer sentir compaixão por já ter passado por algo parecido, no entanto, internamente vibrava por ter tomado conhecimento que a sua vida não era tão perfeita como parecia.
Em setembro do mesmo ano, confirmava-se o fim definitivo para Rodrigo, mais uma vez, e da pior maneira possível: traído e largado, como fizera comigo anos atrás.
Eu sabia exatamente pelo o que ele deveria esperar: vergonha, medo, constrangimento, decepção, dor... Um sofrimento que só quem foi largado um dia sabe explicar; ele sentiria uma sensação inexplicável de derrota por dedicar anos da sua vida a um casamento que se confirmou pouco a pouco fadado ao fracasso. Mesmo que dá boca para fora eu fingisse não dar importância ao fato, era inegável que ainda havia um lado amargurado dentro de mim que não me permitiu ter empatia, sentia-me vingada.
As informações vindas das mais diversas fontes, noticiavam também que eu fora considerada culpada pelo fim do casamento do meu ex. Mesmo sem conhecer, saber nome, onde morava, o que fazia, quem eram seus amigos e familiares, embora fosse uma completa desconhecida para mim, para Lavínia, eu era alguém quase “íntima”.
A ex esposa de Rodrigo sabia detalhes sobre meu namoro com ele, bem como, a respeito de como seria o meu casamento. Comparava as circunstâncias do meu relacionamento com Rodrigo e do dela como se houvesse uma disputa. Ouvi atônita sobre suas reclamações carregadas de mágoa e inveja sobre a aliança que eu tive, a cerimônia de casamento que eu iria ter, a casa... absurdos sem fim. A memória do que Rodrigo quase construiu comigo, a impediu de estruturar o futuro de um casamento feliz que eventualmente poderia ter tido. Tornei-me um fantasma da sua relação.
Assustou-me ter conhecimento que alguém pudesse saber tanto a meu respeito e de projetos tão pessoais, ainda assim, sentia-me glorificada por ter sido uma lembrança que atormentou a vida de Rodrigo. A perversidade do que ele havia feito comigo, ainda norteava os meus sentimentos.
Rodrigo enxergou verdade em uma mulher que foi embora de sua vida levando consigo o sonho de um amor idealizado. Demonstrou ser um homem fraco, que trocou a felicidade ao lado de uma mulher que, apesar de todos os defeitos o amava, por uma aventura que o deixou sem nada, nem mesmo dignidade.
O sol já desaparecia atrás das serras da cidade quando, enfim, Girlei chegou ao nosso encontro. Antes que eu começasse a contá-lo tudo que havia acabado de saber, perguntei-lhe sobre o seu dia, como costumávamos fazer. Girlei parecia agitado, ao contrário de como sempre se apresentava. Ignorando o que eu perguntava, impaciente, insistia para que lhe contasse logo se Rodrigo havia se separado. Apesar de estranhar o seu comportamento, fiz o que me pedia, acreditando que talvez não estivesse em um bom dia.
Quando confirmei o divórcio de Rodrigo, em minha frente, assisti à transformação de sua face. A expressão de seu rosto, do seu olhar que fixamente me encarava, beirava o sombrio.
Girlei, numa atitude agressiva, puxou o meu braço que repousava sobre a mesa e, segurando fortemente minha mão, disse-me que eu não podia voltar com Rodrigo, que me proibia. Enquanto tentava me desvencilhar dele, pedia calma, afirmando que em momento algum havia cogitado essa possibilidade.
Quando enfim me soltou, afirmou estar brincando com a possibilidade de me perder pra alguém que já sabíamos não valer a pena. Assustada, pedi a ele que não brincasse mais assim comigo.
Tentando amenizar a situação, o amigo que acreditava ter agia como se nada houvesse acontecido, porém, incomodada com o ocorrido, rapidamente, inventei uma desculpa para conseguir ir embora. Pairava sobre minha cabeça a dúvida se ter confiado tanto em Girlei não teria me levado a conclusões preconcebidas e rasteiras a seu respeito.
Caminhando pelas ruas da cidade onde carros e pessoas se moviam apressadamente, mergulhava em meus pensamentos desinquietos. O divórcio de Rodrigo, o comportamento imprevisível do Girlei... Passado e presente; nada que me trouxesse alívio. O que fazer então?
Em um mundo de frases prontas, encontrava dificuldades para lidar com minhas complexidades. Precisava de viajar para dentro de mim mesma, talvez lá, encontrasse respostas.
ADVERTÊNCIA: As informações expressas nesta coluna podem reproduzir situações reais e são de responsabilidade da autora, embora os personagens usados também possam ser fictícios.