Após algum tempo solteira, meus familiares faziam uma leve pressão para que eu começasse a me relacionar seriamente com alguém. Debochados que eram, me enviavam simpatias virtuais, afirmavam ser infalível a simpatia da última sexta-feira do mês. A mandinga consistia em ir à padaria desarrumada, onde, certamente, o homem dos seus sonhos ficaria encantado por você.
Coincidentemente, compareci a uma padaria na primeira sexta-feira de julho, quando o inverno trazia lembranças do quão duro é, às vezes, estar sozinho. Lembro-me que algo inesperado aconteceu, mesmo eu não tendo seguido exatamente o que era orientado na simpatia. Certo homem me olhava sistematicamente, como se me conhecesse. Na dúvida se aquele olhar realmente se dirigia a mim, olhei de volta mais de uma vez percebendo que os seus olhos permaneciam em minha direção. Constrangida com a situação, na hora de pagar pelo o que eu havia consumido, me atrapalhei deixando mochila, blusa de frio e até mesmo o dinheiro cair no chão.
Depois de todas as experiências românticas que vivenciei, refletia sobre o que os homens querem: mulheres superproduzidas ou mulheres aparentemente comuns? Ficava difícil compreender e, a tese de que todo homem é igual, a cada dia, fazia menos sentido para mim.
Pensando no que minha família sugeria, cogitei dar oportunidade a pessoas que inicialmente não me agradassem tanto, pelo menos fisicamente; foi assim que cedi a um convite feito pelo Evaldo, um colega que fiz no grupo de oração do qual participava.
Acreditava não saber mais como me comportar em um primeiro encontro, e no quanto participar de um seria difícil para mim. Se me via desconcertada com o olhar de um desconhecido, como conseguiria encarar um cenário onde as partes envolvidas sabem as verdadeiras intenções por detrás da tentativa de aproximação?
Desanimava-me também viver todo o processo de sair com uma pessoa pela primeira vez: decidir o que vestir, pensar na melhor maneira de falar e se comportar. Afinal, primeiros encontros nada mais são do que uma propaganda mentirosa sobre o que deveríamos ser, mas não somos: um jeito ardiloso de tentar convencer que você pode valer a pena. Tinha consciência que não seguir o padrão comportamental de quem vai a um encontro, poderia me manter no estado no qual estava mas desejava sair, o da solteirice, mesmo assim, optei por agir conforme o que eu acreditava ser o melhor; usar máscaras era algo que não servia mais para mim.
Evaldo era um homem alto, magro, moreno como canela, meio calvo, de coração bom e olhar profundamente triste. Apesar de ser um empresário bem-suscedido em sua área de atuação, parecia carregar na alma o peso de algumas derrotas. Vivendo o fim de um casamento aos quarenta e dois anos, parecia, assim como eu, tentar se dar uma nova chance.
O nosso jantar, marcado para um dia de semana foi em um lugar modesto, buscávamos discrição. Ao chegar ao local, atrasada, ele já me aguardava, recebendo-me com um tímido sorriso que confirmava o embaraço de se estar em um primeiro encontro.
Talvez por ansiedade, Evaldo falava sem parar. Por uma hora e meia o escutei contar sobre sua vida: desde a infância até a sua aclamada vida profissional. Ouvia tudo atentamente, pelo menos, a história que me narrava era interessante. Observava o seu jeito sereno de falar e os seus gestos; um deles me chamou bastante atenção: usava o polegar e o indicador para deslizar verticalmente pelas laterais do seu nariz. Devia estar nervoso, pensei.
Sem ter espaço para que eu também falasse, comia enquanto concordava ou discordava de algo, apenas balançando a cabeça e utilizando exclamações que expressavam de maneira limitada a minha opinião sobre algum assunto.
Depois do encontro que tivemos, fortalecemos o que a princípio nos aproximou: a possibilidade de ficarmos amigos. Faltava para ambos a vontade de fazer daquele jantar, algo que nos motivasse a buscar mais afinidade. Possivelmente, ainda não estávamos prontos.
Evaldo e eu travávamos uma batalha contra a solidão: sentimento que apesar de trazer a sensação de vazio, por vezes, pode ser o agente transformador de grandes mudanças. Infelizmente, ele não conseguiu fazer dela companhia, ele não soube lidar com o desafio de conviver com a insatisfação de tempos difíceis, ele não conseguiu esperar pela primavera que só chega quando conseguimos passar pelos ventos gelados e destemperados de um inverno rigoroso. Não conseguindo suportar o fim de um casamento que ainda significava muito para si, Evaldo pôs fim à sua vida e à dor que parecia visível em seu olhar.
Tão difícil quanto amar, é deixar de amar quem você escolheu estimar por uma vida inteira. Evaldo não conseguiu preencher o meu coração nem o dele, mas me deixou como ensinamento que as maiores batalhas são travadas na mente humana.
Referências:
As maiores batalhas são travadas na mente humana – Joyce Meyer
Depressão: Depressão é uma doença psiquiátrica crônica e recorrente que produz alteração do humor caracterizada por tristeza profunda e forte sentimento de desesperança. Saiba mais em: https://drauziovarella.uol.com.br
ADVERTÊNCIA: As informações expressas nesta coluna podem reproduzir situações reais e são de responsabilidade da autora, embora os personagens usados também possam ser fictícios.